sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A fuga de Rosalinda

Há muito tempo elas vinham pensando nisso. Uma aventura. Só as duas, mãe e filha. Não que a vida de Rosalinda não fosse boa. Era bem tratada, tinha regalias pela sua produção de leite, podia andar pelo pasto ao redor da casa, vivia bem. Mas tinha um pouco de fastio. Além disso, desde que sua filha Shiva havia desmamado não passavam muito tempo juntas. Shiva, na flor da idade, com todos os hormônios da adolescência aflorando em belos chifres, era mantida presa com as cabras. Uma menina gigante no meio das minúsculas amigas, um pouco pitoresco. Tinha saudades. Rosalinda é dessas mães italianas, super protetoras.

Planejaram por um bom tempo e quando chegou a oportunidade, todos na fazenda ocupados com alguma atividade, não tiveram dúvida. Se olharam com aquela cumplicidade materna e pata ante pata, saíram de fininho, rumo ao campo sem fim.

As primeiras horas foram de pura alegria, um certo frio na barriga de serem descobertas, mas com tanto mato para provar não pensaram muito nisso, e se divertiram. Mugiam, brincavam, pastavam, Shiva coçava seu pequeno chifre em toda árvore que encontrava, especialmente nas figueiras carregadas de fruta, que soltavam um perfume delicioso. E ainda comia os figos. Aquela árvore era perfeita.

Depois de um tempo tiveram sede e Rosalinda não conseguia saber como arrumar água. Não havia visto no caminho nenhum balde como aquele da fazenda. Shiva estava um pouco cansada, fazia muito calor e ela tinha muita sede. Rosalinda cedeu e deixou ela mamar, como nos tempos antigos de criança.
Acabaram dormindo na sombra de uma oliveira e quando acordaram já era noite. Pensaram em retornar à casa, já estava bom de aventura. Mas de repente olharam para um lado e para o outro e perceberam que não sabiam onde estavam. De que lado tinham vindo? Onde era a estrada? Rosalinda é uma vaca esperta e tentou ver as marcas de suas patas na estrada, mas era noite, não podia enxergar muito e além do mais havia muitas marcas de pneu de carro. Será que alguém as estava procurando? Já sentia saudade de casa e dos mimos de Flavio e de Roberto. Mas se manteve firme e calma. Não dava para fazer mais nada àquela hora, o melhor era dormir e esperar amanhecer. Quem sabe o sol trouxesse boas notícias.

Acordaram com sede, Rosalinda amamentou Shiva e depois resolveram caminhar, à procura de casa, de água, de ajuda. Mas não eram muito boas para comunicar. Muito grandes, um pouco desajeitadas, com a voz muito grave, quando encontravam alguma pessoa faziam tanta festa, tanta confusão que acabavam espantando o desconhecido. Tinham esperança de ouvir o carro de Flávio ou a voz doce de Ruly as chamando. Continuavam a comer tudo que aparecia à sua frente, assim foram caminhando, caminhando, cruzando a estrada... Mas nada de novo aconteceu neste dia. Foram dormir um pouco preocupadas, mas exaustas do segundo dia daquela aventura. Sonharam com um campo de trigo e um rio, mesmo sem nunca terem visto nenhum dos dois.

Enquanto isso no jantar da fazenda o telefone toca. Um vizinho havia visto as vacas desaparecidas, mas não tinha conseguido prendê-las. Saímos já tarde da noite atrás de algum sinal. Nada.

Terceiro dia começa cedo na fazenda, dois carros, cada um para um lado a procura das vacas. Chamam, buscam sinais no chão, perguntam às pessoas. Rosalinda e Shiva já são conhecidas a essa altura. Primeiro um conta que a irmã viu as duas caminhando na manhã anterior, outro conta que elas comeram todo o figo da sua casa. Mas as informações não são suficientes e depois de mais de três horas rodando, os dois carros retornam com seus motoristas cansados e um pouco frustrados.

Enquanto isso já distante dali Rosalinda acorda com Shiva eufórica, felicíssima. Estava explorando a região (porque Shiva, ao contrário de Rosalinda, não cansou da aventura ainda), foi coçar o chifre numa bolota que havia no chão e a bolota se rompeu. Dentro tinha uma polpa vermelha deliciosa, fresca, que acabou com a sua sede. Elas não conheciam melancia, e a melancia do salento é especialmente boa. Estavam no paraíso.

Comendo, explorando o campo, acabaram se encontrando dentro de uma horta. Uma horta de tomate! Outro paraíso gastronômico italiano, os tomates são tão doces e tão pouco ácidos, que as duas podiam comer aquela frutinha o dia todo. Mas antes de acabar com a horta apareceram dois jovens. Vinham abanando as mãos, gritando. Rosalinda não entendia muito bem o que faziam, achou que era uma saudação e balançava sua cabeça enorme e mugia. Os rapazes recuaram. Voltaram com uma corda e sem saber bem porquê as duas foram amarradas e levadas para junto dos porcos. Estavam assustadas com aquilo tudo, os porcos não eram simpáticos, achavam que as duas vacas iriam roubar sua pouca comida. Porque para um porco a comida sempre é pouca, nunca é suficiente. O clima era tenso, o lugar era sujo e fedia. Rosalinda não entendia porque era tudo tão sujo. Havia porcos na fazenda, mas era tudo limpo, quase cheiroso. Shiva era até amiga de uma porquinha que havia nascido na mesma época que ela.

Depois disso não sei o que se passou naquele lugar estranho. Roberto foi avisado no outro dia que haviam encontrado as vacas fujonas e que agora ele devia uma horta de tomate para os donos. Não pode ver o prejuízo ainda, tem que fazer perícia e tudo mais, mas já buscou Rosalinda e Shiva. Voltaram estranhas, cabisbaixas, caladas. Depois de um bom banho, Shiva já está melhor, mas Rosalinda tem o olhar distante. Talvez esteja impressionada com algo que viu ou viveu. Talvez prevesse as mudanças que estavam por vir à sua volta, não sei. Rosalinda é muito sensível.



5 comentários:

  1. Rosalinda sua linda!!! Aprendi Tê, agora sei comentar UAUUU!!! Valeu Iara...

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  2. Teresa, conte para a Rosalinda que teve uma colega dela na Alemanha que ficou 3 meses fugida. Agora vão fazer uma animação sobre a aventura dela.

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  3. Tô adorando toda a aventura!! Beijos

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  4. Pois é, Rosalinda agora eh conhecida no Brasil! Mas continua um pouco cabisbaixa...

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