sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pequeno diário de bordo - Vendemmia


1o. dia, segunda feira - 17 de Setembro: comecei com medo de ser um trabalho muito pesado para minhas costas, frágeis depois de 15 dias que tinha uma dor um pouco estranha na lombar. Mas me surpreendi, é difícil, mas não é impossível. E as costas acostumam. Difícil foi a comunicação, de repente descobri que não sei nada de italiano, ou caí de para quedas na Rússia e nem notei. Italiano toscano, daquele quase um dialeto é duro. Peço para repetir uma duas vezes e continuo sem entender, concordo com a cabeça e me concentro nas uvas. Dizem que a língua italiana nasceu na Toscana com Dante Alighieri, Boccaccio...

2o. dia, terça feira - 18 de Setembro:  o dia passou rápido, a comunicação ainda é pequena, converso mais com um polonês que mora aqui faz 7 anos do que com os toscanos. Mas tenho um amigo que sabe um pouco de português que me ajuda em alguns momentos. No mais gesto e palavras soltas. Gosto do trabalho, tenho a impressão que em todos os lugares se olhar para cima vou ver as torres de San Gimigniano ao fundo, cena de filme. Daremos uma pausa para esperar a uva amadurecer um pouco mais, recomeçamos na próxima segunda. Pois é, fazer vinho é negociar com a natureza. Este ano muitas videiras estão bem secas, com uvas pequenas devido à seca do verão. Segundo o Pietro será um vinho bom, mas em pouca quantidade...

3o. dia, segunda feira - 24 de Setembro: segunda feira sempre é um pouco duro, principalmente depois de um final de semana em que exagerei um pouco no vinho. Pra começar cortei o dedo, tem horas que a velocidade  atrapalha, é daqueles trabalhos que parece que não mas exige atenção. Se trabalha geralmente em dois, um de um lado e outro do outro de uma fila de videiras, comecei fazendo par com o cara mais antigo e experiente, fui tentar acompanhar...deu no que deu... As horas não passavam, ou melhor os minutos! Depois de cinco dias parada a dor nas costas voltou como se fosse o primeiro dia. Pra fechar com chave de ouro fiz um movimento de abaixar mais longo e só ouvi o barulho da calça rasgando...

4o. dia, terça feira - 25 de Setembro:  o tempo continua um pouco mais lento que o normal, mas ao menos foi mais divertido. Já consigo entender um pouco do sotaque local, eles falam o C sem fazer o som, como os espanhóis com o J. Depois deste entendimento básico, tenho uma comunicação também básica. Me diverti mesmo foi fazendo a função de descarregadora de cestos. Funciona assim, geralmente vão duas pessoas colhendo uva por linha da videira, em três linhas ao mesmo tempo, numa delas o trator com a carretinha e uma pessoa com cestos extras, que troca com quem já tem o seu cheio e joga a uva na carreta. É um trabalho pesado, mas que varia o local do esforço, ao invés das costas nos braços. E ainda tem um certo poder, pois controla o tratorista, fico gritando: ferma! vai! de acordo com o ritmo da colheita. Começou as brincadeiras de vendemmia: jogar um bago de uva no outro e fingir que tá bem concentrado no trabalho...

5o. dia, quarta feira - 26 de Setembro: fui escalada para uma outra função, fazer o suco de uva. O processo é simples, a uva que foi prensada, fica resfriada primeiro. Agora o trabalho é colocar nos vidros e levar em banho maria por 20 minutos para pasteurizar. Não coloca água, açúcar, conservantes, nada, só uva. A melhor parte deste trabalho é que fazemos vizinhos à cantina, onde se produz o vinho. O cheiro de uva fermentada inebria. Nesta época do ano você anda nas regiões rurais e é normal sentir este cheiro, dá pra saber onde tem uma cantina fazendo vinho só pelo olfato. Acompanhei um pouco mais do processo do vinho. Descobri por exemplo que aquelas uvas quase secas que eu tinha dó de não colher dão é prejuízo pois entopem a mangueira por onde passam para ir até a vasca onde vão fermentar, falta líquido para mover e ficam horas tentando fazer essa pasta chegar ao seu destino.

6o. dia, quinta feira - 27 de Setembro: de novo fazendo suco, já tô com saudade das videiras. Aqui ficamos um pouco enclausurados. Trabalho com um rapaz que já conhecia, o Samo, é divertido porque conversamos, ouvimos música, tudo enquanto lá fora o trator vai e volta com uva. Assiti uma cena ótima do Pietro com o enólogo, que nesta etapa do processo vem toda semana para acompanhar a evolução da fermentação dos vinhos. (um parêntese para uma explicação rápida, eu tinha o costume de vinhos feitos com uma variedade de uva só, aprendi que este é o modelo dos vinhos internacionais, que geralmente são feitos em grandes fazendas, uma uva só, um mesmo sabor, sempre. Os vinhos italianos de pequenos produtores são diferentes, cada ano é um vinho próprio, porque mesclam diferentes uvas. O nome do vinho neste caso geralmente vem da região, com preponderância de uma uva claro, mas é parte do trabalho criar a melhor combinação possível. Resumindo não importa a uva, mas o sabor). Pois bem, os dois literalmente bochechavam cada vinho (ou suco de uva fermentando..), cospiam e gesticulavam, o enólogo dizia qualquer coisa, Pietro levantava as mãos, dizia outra, e assim foram, vasca por vasca nesta cena de cinema, e eu só olhando e filmando, no coração!

7o. dia, sexta feira - 28 de Setembro: último dia de vendemmia para mim. Na verdade uma pequena colheita visto que faltava terminar cinco filas de videira e depois esperar que as outras estejam mais maduras para recomeçar a colheita. Trabalhei só duas horas, com poucas pessoas, mas foi o dia de melhor comunicação entre os toscanos e eu. Já estão até combinando de ir ao Brasil! Eu convido todo mundo que encontro, hehe, aja espaço na fazenda! Terminei feliz de fechar este ciclo com novos amigos, uma experiência nas costas, literalmente, uma imagem da Toscana em colheita, com tratores por todos os lados carregados de uva, cantinas com seus cheiros especiais, senhorzinhos e senhorinhas fazendo a colheita enquanto riem e falam besteiras.

foto tradicional



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