sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O gelato da Dona Maria

Dona Maria, naquela época só Maria, entrou no navio decidida. Sentia que era preciso mudar o clima da sua vida. Estava cansada do Brasil. Era uma moça cheia de sonhos e corria atrás deles com garra. Primeiro tinha chegado ao Rio de Janeiro, vinda de uma família de Cataguases em Minas Gerais. Agora cansada da vida no Rio, onde era sempre uma caipira do interior, buscava algo novo. Europa era perfeito, Maria era uma garota pra frente, expressão que ainda não era usada naqueles meados de 1900 e estava na contra mão do fluxo migratório da época.

Quando apareceu a oportunidade de trabalhar num navio que ia a Europa, não teve dúvidas. Sua mãe nunca teria imaginado que sua filha chegaria tão longe, mas lá estava ela embarcando rumo ao desconhecido. Mal sabia Maria que nesta viagem conheceria o amor da sua vida e descobriria sua missão no mundo: fazer filhos. Desembarcou na Itália já grávida do primeiro dos muitos que viriam a seguir. Em poucos anos já eram 8 crianças. Seu marido vivia dividido entre seus dois amores: a família e o mar. Mas isto não era problema para, agora sim dona, Maria, que era uma criança grande, se divertia tanto com aquelas crianças que logo toda a vizinhança vinha participar da vida daquela família alegre.

A vida não era fácil naquele período pós guerra, mas com o famoso jeitinho brasileiro, Dona Maria fazia milagres. Transmutava tristeza em sorrisos. Pouca comida em banquetes. Comida nenhuma em brincadeira. Era um exemplo naquelas margens do Arno onde vivia numa zona ainda muito rural. Era grata a Deus pela vida que tinha, se encantava de poder ir à missa na vizinha Florença, nunca tinha visto igrejas tão bonitas, tinha uma família com saúde, amável, vizinhos que eram queridos com aquela estrangeira sorridente. Havia encontrado seu lugar no mundo.

Uma data marcante na vida de Dona Maria foi quando ela viu a neve pela primeira vez. A primeira coisa que fez foi rir. Muito e alto. Estava encantada. Sua criatividade tupiniquim deu mil piruetas na cabeça. Seu riso soava alto naquele silêncio branco. Rapidamente estava cercada de crianças, as suas e as da vizinhança. Naquele primeiro dia de neve foi dormir exausta das brincadeiras que haviam inventado com aquele brinquedo novo.

Assim como aquele inverno foi especialmente frio o verão chegou com um calor de rachar mamona. Ninguém na Itália entendia aquela expressão brasileira e Dona Maria achava graça que pudesse existir alguém no mundo que não conhecesse a mamona e aquele momento em que ela estoura ao sol. Passou todo aquele verão sonhando com a neve. Gelada, em contato com a pele suada, uma guerra de bola de neve, deitar sobre ela e olhar o céu azul acima da sua cabeça...mas principalmente sonhava em comê-la. Podia sentir o frio descendo pela garganta, refrescando todo o corpo. Salivava só de pensar.

Começou a dar asas à sua imaginação e quando chegou o inverno novamente, e por sorte nevou naquele ano também, reuniu toda a meninada para aquela invencionice culinária. Numa bacia grande que geralmente usava para levar a roupa para a beira do rio, colocou a neve e açúcar e misturou bem. Começou a dar para todo mundo provar. Era bom, mas faltava alguma coisa. Uma vizinha siciliana que morava naquelas redondezas correu em casa e voltou com 2 limões que espremeram dentro da neve. Perfeito. Era fresco, perfumado, doce e ao mesmo tempo tinha aquele azedinho do limão. Não teve um que não gostasse. Comiam com as mãos, ligeiro, para não congelar os dedos, rindo daquele sabor e sensação novos, deixando escorrer pelo canto da boca e corpo, brincando de jogar um pouco no outro, fazendo daquele momento uma verdadeira celebração gastronômica. Terminaram aquele dia dançando, rindo e sonhando com as mil possibilidades futuras daquele gelo com açúcar e fruta.


Dona Maria não entrou para a história (porque provavelmente nunca existiu) e a disputa da origem do sorvete hoje é acirrada, entre um certo macellaio toscano e um cuoco siciliano, com influências muito antigas vindo tanto do oriente como dos próprios romanos. Mas dizem que em Cataguases foi o primeiro lugar no Brasil a se comer um suco de fruta congelado...

Estou na fase GELATO. Coleciono sabores, histórias, sorveterias. Mais histórias (ou estórias) em breve.




esta pode ter sido a casa da Dona Maria...a foto é do inverno passado

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sicília-Argélia cous to cous


No Salone del Gusto e Terra Madre, um Laboratório do Gosto aproximará a tradição do cuscuz das duas margens do Mediterrâneo... um desafio até o último grão!


Cuscus, cuscussù, cous cous, kiskusu, seksu… da Sicília ao Norte da África, são inúmeras as variantes deste prato. O Laboratório do Gosto A Rede do Terra Madre: Sicília-Argélia cous to cous”, no próximo 29 de outubro, oferece a oportunidade de encontrar duas interpretações do cuscuz e duas grandes histórias. A história de Marilù Terrasi, chef e dona do restaurante Pocho de San Vito lo Capo, a especialista do cuscuz à moda de Trapani; e Sid Alì Lahou, chef e fundador de uma cooperativa que produz o cuscuz a partir de farinhas orgânicas, na Argélia.
«O cuscuz é um ritual de espera. É preciso paciência, tempo, tranquilidade». Marilù Terrasi define assim o prato que ela prepara todo domingo para os seus clientes num bairro de San Vito lo Capo, na Sicília.

Marilù se formou em filosofia e já foi pesquisadora em Palermo. Hoje, entre outras coisas, é chef do Pocho, um restaurante cujo nome é o mesmo do gato mascote da sua companhia de teatro. O teatro é uma experiência que se repete toda noite, quando a cozinha fecha e Marilù entretém seus clientes com canções e relatos da tradição local.

Na outra margem do Mediterrâneo, Sid Alì Lalhou é um produtor argelino apaixonado e atípico, um autodidata que se tornou chef e diretor de uma cooperativa que produz até três toneladas de sêmola por dia para 14 tipos diferentes de cuscuz: trigo, aveia, arroz, centeio, milho, misto dois cereais, aromatizado com lavanda, tomilho ou menta e também um tipo sem glúten. Todos rigorosamente orgânicos e produzidos à mão pelas mulheres da cooperativa. Sid já esteve em Turim durante o Terra Madre 2010 e mal pode esperar para encontrar Marilù: «Eu estive em San Vito lo Capo em 2005, quando ganhei um concurso no Cous Cous Fest com uma receita à base de farinha de cevada orgânica. Na oficina, também vou apresentar o cuscuz de cevada com alho-poró e grão de bico. De dar água na boca!»

As vagas são limitadas: faça agora a sua inscrição para o Laboratório do Gosto. A Rede do Terra Madre: Sicília-Argélia cous to cous, em Turim, segunda-feira, dia 29 de outubro às 14:30, 20 euros para os sócios, 25 para os não sócios


Cous cous da tradição de Trapani 

Ingredientes para oito pessoas:

1 kg de sêmola grossa
água
2 cebolas
azeite, sal e pimenta do reino a gosto
pimenta malagueta, canela, louro, salsa
1 cabeça de alho
1 kg de peixe misto para o caldo, e uma quantidade de peixe a gosto para fritar
2 litros de massa de tomate ou de molho de tomate
150 g de amêndoas, um limão

Num recipiente de barro, coloque aos poucos a sêmola. Faça pequenas bolinhas com a mão direita e, com a esquerda, salpique com um pouco de água. Tempere com azeite, sal, pimenta-do-reino, canela, cebola e salsa picadas; coloque-o na cuscuzeira com algumas folhas de louro e a casca de limão. Cozinhe a vapor durante aproximadamente uma hora, acrescentando, na água fervendo, cheiro verde, cravo e canela e uns peixinhos.

Prepare uma sopa de peixe: refogue a cebola cortada em rodelas com bastante azeite. Adicione tomate, sal e pimenta-do-reino, uma pitada de malagueta, canela e um pesto preparado com dentes de alho, salsa e amêndoas. Deixe cozinhar aproximadamente vinte minutos e adicione, no final, o peixe limpo para o caldo.
Despeje o cuscuz cozido a vapor numa tigela grande, adicione metade do caldo e uma parte do peixe despedaçado. Cubra com um pano de lã e deixe descansar cerca de 45 minutos.

Sirva com o restante do caldo. Pode ser servido com uma mistura de peixes fritos em azeite de oliva. É uma base que pode ser usada para outros tipos de cuscuz, substituindo o peixe por carne de porco, de cordeiro, legumes e verduras e temperos de acordo com o gosto de cada um.

www.pocho.it


Seffa (Cuscuz doce) 

1 kg de cuscuz
50 g de amêndoas picadas
50 g de nozes picadas
100 g de passas de uva
40 g de mel
50 g de manteiga
50 g de tâmaras
50 g de damascos secos
50 g de farinha de amêndoa
2 colheres (de sopa) de azeite de oliva

Tempo de preparo: 20 minutos
Tempo de cozimento: 20 minutos

Coloque de molho em água quente, durante aproximadamente duas horas, as amêndoas, nozes e passas.
Escorra as passas e cozinhe a vapor por 15 minutos.
Coloque o cuscuz de molho, escorra-o e deixe descansar durante 15 minutos.
Cozinhe a vapor por 10 minutos e molhe-o com água salgada.
Misture o cuscuz com a farinha de amêndoa, as nozes e as passas. Cozinhe o cuscuz novamente a vapor por mais 10 minutos. Retire do fogo, misture bem e acrescente azeite e manteiga. Complete com mel e decore com as tâmaras cortadas pela metade, os damascos secos, as amêndoas, as nozes picadas e um pouco de passas.

www.lamaisonlahlou.com


Esta matéria é do site da Terra Madre, principal evento do Slow Food que acontece em Outubro em Turim.

Eu vou! Quem se anima?

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Siena - LaZona


O espaço é pequenininho. Mas o acervo é grande. É um sopro no universo de livros comerciais que se encontra nas livrarias normais. Livros de qualidade de escritores italianos, aqueles difíceis de encontrar ou conhecer, uma bem curada coleção de quadrinhos, preços acessíveis, comércio justo, tudo isso se encontra ali, depois de atravessar aquela portinha inocente.

Mas não pára por aí. Aliás não pára mais: Valentina, a proprietária, faz e acontece. Se você for na próxima semana a Siena vai encontrar uma exposição de desenhos dos principais ilustradores italianos. Uma preciosidade.

No subterrâneo da loja, um espaço que nas antigas era dedicado à produção e conservação do vinho, acontecem mostras esporádicas de filmes "fora do circuito". O último, um documentário feito por uma agora senhora de mais de 80 anos, que foi a primeira mulher na Itália a filmar a situação do trabalho feminino no país. Coisa de primeira. Com direito a bate papo com a diretora e tudo.

O ar do lugar é tão especial (e sugestível ao questionamento) que hoje vai ter aqui uma reunião de pessoas da cidade preocupadas com o fechamento súbito de um dos museu de Siena. É quase uma insurreição dos tempos modernos. Belo.

Dá pra ver que é um espaço para quem não se contenta com pouco. Política, meio ambiente, cultura, ações sociais. Quando dá pra juntar tudo num só projeto fica mais bonito ainda.

Valentina vibra ao mostrar os tijolos abaixo.


Vieram de lugares da Emília Romana que foram destruídos pelos terremotos do começo deste ano. Nos conta empolgada que faz parte de um projeto artístico social: serão pintados por artistas e depois vendidos para arrecadar fundos de apoio aos atingidos.

Belíssimo.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Macelleria Cecchini


A macelleria fica em Panzano, uma dessas cidadezinhas minúsculas espalhadas pelas montanhas da Toscana. Pode parecer um pouco escondido, mas na Itália é assim. As coisas não estão todas concentradas nas cidades, é preciso se perder um pouco para achar os tesouros. Mas o caminho é lindo, entre serras, por estradas tortuosas se vai conhecendo mais da magia da região. Além do mais o cara é famoso, de programa de TV, participação em livro do Jamie Oliver, jornais, até eventos no Brasil ele já participou. Muitos vêm até aqui para conhecer, bem, vamos dizer de forma prática e verdadeira: o açougue do Dario Cecchini. Que além das carnes oferece refeições. Agora que você já sabe que macelleria é açougue vamos voltar para o primeiro nome que é mais bonito. Não só porque é mais bonito, mas principalmente porque é preciso uma nova palavra, para nós, brasileiros, entendermos a história desta arte sem fazer relação com o que chamamos de açougue. Na Itália existe um outro valor e entendimento da maestria de lidar com os animais e depois suas carnes. É uma profissão de respeito, de muito conhecimento, muitas vezes herdada de pai para filho. É quase uma ciência. É feita por mestres.
Eles não sofrem por comer carne ou matar o animal, mas o fazem bem feito, com o máximo de aproveitamento das carnes, extraindo todo o sabor e uso que esta ação pode oferecer. Se é para fazer, vamos fazer direito, poderia ser o lema da macelleria.

Dario é um apaixonado pelo que faz. E faz bem. Não é à toa que é famoso, são mais de 30 anos dedicados  a esse trabalho.

A macelleria, na subida de uma rua despretensiosa, começa com a parte onde tem a exposição das carnes e outros produtos que ele faz, como mostardas, sais temperados, azeite da sua fazenda, geléias. Atrás do balcão aquele homem grande, simpático, com mãos de quem trabalha muito. Atrás dele as peças de carne grande, ainda pouco trabalhadas. No ar música clássica a toda altura. Entramos e rapidamente já vem um rapaz com copos e vinho e nos diz que é só pegar o copo e beber, sem pedidos nem nada, é por conta da casa. Atrás de nós uma mesa com antepastos: salames feitos ali, brusquetas com lardo (gordura de porco temperada) outras com tomate. tudo disponível para todos, faz parte da arte da hospitalidade. Assim dá tempo de ambientar, ver o lugar, o cardápio e depois de decidido a almoçar subir quase por dentro da cozinha para a varanda na parte alta da construção, onde em mesas compridas para acomodar todo mundo junto, se almoça.

Dario tem opiniões fortes, trabalha a muito tempo com isso, por ser conhecido deve ter encontrado muitas pessoas com muitas idéias e conversas sobre alimentação, muitas vezes demagogas. Penso nisso para entender nossa conversa, que começa simpática, me contando que foi ao Brasil ano passado, me mostra a revista do evento que participou, etc. mas ao falar de agricultura orgânica e slow food a coisa muda. Claro que ele é super orgânico e queira ou não, faz slow food, mas acho que as instituições e sectarismos o incomodam. Não sei bem, daí pra frente não rolou mais uma comunicação e, por sorte, era hora de almoçar.

Duas coisas belas que acontecem aqui: gentileza com todos, aquele ar de estar entre amigos na Itália, todos que chegam são bem recebidos seja para almoçar ou comprar um vidrinho de sal. E acesso ao alimento. O cardápio tem opções de 10 euros e 20 euros, para uma comida que vale 50.
O almoço um pout pourri de carnes especiais, pão toscano, salada e molhos. A salada é de uma simplicidade maravilhosa: todos os legumes crus, picados grande dentro de um copo, cenoura, salsão, erva doce e cebola roxa,  3 molhos super caseiros - mostarda, catchup e molho picante e a opção de fazer um outro com azeite, aceto e sal de ervas. Você escolhe o legume, passa no molho que quer, come com a mão, simples assim. Destaque para a cebola roxa, uma variedade que encontrei por estas terras que se morde com gosto, é doce, a semente tá na mala!






BENVENUTI
NELL'ANTICA
MACELLERIA CECCHINI


IL MIO NOME E' CECCHINI ......DARIO CECCHINI.
Sono 35 anni che faccio il mestiere di macellaio cercando di migliorarmi nella mia arte e di arrivare al taglio e alla cottura perfetta per ogni pezzo di ciccia.
E' il mio modo di rispettare l'animale:
usare tutto al meglio.
Nella mia bottega, dove è sacra l'ospitalità,
potete comprare manzo, maiale e in stagione agnello.
Nei miei ristoranti, dove si mangia tutti assieme in convivio, avrete la possibilità di apprezzare, spero, tutto il mio lavoro nella ricerca della qualità.
Il vino, l'olio, le erbe aromatiche e tante altre cose vengono dalla mia azienda agricola
a 3 chilometri dalla macelleria.


vista de Panzano



domingo, 26 de agosto de 2012

Pra terminar: trio romano

Roma é uma cidade onde se come bem, não resta dúvidas. Do tradicional à cozinha moderna, passando pelos panini, pizza branca (aquela sem molho de tomate e que em outros lugares é chamada de focaccia) e outras comidas de rua. Tem um pouquinho de cada canto do país.

A cozinha antiga, histórica, é um pouco parecida com a lenda da feijoada no Brasil: os restos que os nobres não comiam e os pobres criativamente e saborosamente aprenderam a preparar. Estômago forte para comer todas as tripas, buchos e cérebros que compôem a típica cozinha romana. Comida de inverno, mesmo curiosa, vou pular. Vou direto para um trio que você encontra em toda a região do Trastevere, bairro onde tem milhares de restaurantes deliciosos da cidade: alcachofra a judia, flor de abobrinha e filé de bacalhau. Tudo frito. Uma delícia, claro. A flor de abobrinha leva dentro um pedaço de mussarela e aliche, depois é empanada e frita. O filé de bacalhau não tem segredos: empanado e frito. A alcachofra é um pouco mais difícil pra mim, sem experiência com este legume (nem sei se pode chamar assim...), tem que abrir um pouco ao meio, como uma flor despetalada, mas sem deixar as pétalas soltarem e fritar, depois abre no outro sentido e óleo quente de novo. Se come tudo, as folhas de fora lembram um chips, dentro o coração macio.



Mas não posso deixar de dizer que a melhor dica para comer na Itália é conhecer uma pessoa do local. Sabe aquele primo do vizinho que casou e mora em Roma? Preguiça de fazer contato? Vence isso e liga, vai valer a pena. Os italianos são tão simpáticos e tão bons de garfo que com certeza você vai conhecer um lugar legal. Agora se você tiver uma conhecida que rapidamente virou super amiga, como a Caterina, melhor ainda. Porque ela é arquiteta (e boa de garfo). É fascinante como ela mostra os extratos das épocas romanas em cada construção ou bairro. Aqui é muito tempo de história, numa mesma construção tem coisas do tempo dos romanos antigos, depois do período medieval, renascentista e até uma pitada moderna. Muita informação e conhecimento. Uma aula de história e gastronomia juntas. Para você ter uma idéia fomos seguidos todo o dia por um casal de italianos super interessados em ouvir as histórias de Roma que ela me contava. Pensei que sou muito afortunada nessa vida!

Caterina e Massimo, espero vocês no Brasil agora. Pra gente comer todas as frutas brasileiras e pão de queijo mineiro!


Alcaparras nascendo nas velhas colunas romanas...

sábado, 25 de agosto de 2012

Verdes em meio ao marrom

Sempre procuro a parte verde de cada cidade. Aquelas que têm pouca descubro o jardim botânico, praça principal, qualquer cantinho com uma árvore e uma sombra. Combinação perfeita.

Em Roma não é preciso muito esforço. Entre tantas construções antigas o verde salta aos olhos, dos belíssimos pinheiros de Roma, espalhados por todo Palatino e ruas do centro, às praças e parques que sempre estão ali, disponíveis, oferecendo um refresco ao calor, ao marrom, ao ritmo rápido da cidade. Dá pra fazer um belo revezamento entre natura e cultura.

Eu, depois de encher os olhos com as igrejas vizinhas à Piazza del Popolo, fui conhecer a Villa Borghese. E irresistivelmente fazer um pic nic.


Outro dia, depois que Laura, uma italiana super bacana que está me hospedando, saiu do trabalho fomos as duas dar uma volta na Villa Pamphilli, o maior parque dentro de Roma. Um tempo para conversar com calma, ampliar a visão, sentar na grama e estar ali, descobrindo uma a outra. Coisa de mulher que falando ou em silêncio estão absorvendo um pouco do outro universo. Voltamos a tardinha, com as mãos cheias de temperos selvagens que colhemos para preparar o jantar. Tive muita certeza da beleza daquele momento, tinha ali uma nova amiga e, eu, já era outra Teresa depois daquele pôr do sol.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Pra variar: salada

Um respiro nas comidas tipicas:


Salada do GiNa, um restaurante super simpático biológico, vizinho a Piazza di Spagna.

Ingredientes:

Valeriana - adaptação tupiniquim: folhas verdes: alface, rúcula, agrião
Maçã
Nozes
Rabanete
Queijo de cabra
Ovo

O ovo é opcional, não faz parte da salada, mas eu tava com uma vontade...

O queijo de cabra era especial, porque era quente. Um super pedaço sobre a salada, as bordas ainda inteiras e o meio molinho, derretido. Hum...

Tempero só azeite, aceto balsâmico e sal.

Dá pra se inspirar em outras receitas do site. Dá pra dar uma passadinha para um almoço diferente quando estiver em Roma...

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Roma, primeiras impressões


Em toda cidade nova demoro dois, três dias para entrar no clima. Geralmente antes deste tempo não sei bem sobre o quê gostaria de escrever e dividir com os outros da minha percepção do lugar. Preciso de um tempo para arrumar as impressões e sentimentos dentro de mim. Não sei se a cidade precisa desse tempo para se abrir ou eu, bicho do mato, para me entregar.
Roma é diferente não tem como ter dúvida de se apaixonar, mas ao mesmo tempo é tanta informação, tanta beleza, que mesmo maravilhada precisei de um tempo para sedimentar tudo dentro de mim. Não é qualquer cidade que já começa com uma lenda sobre sua criação. A loba com Rômulo e Remo já me fazem sorrir antes de qualquer coisa.  Mas vão aí minhas primeiras impressões da cidade eterna:


1o ato: Asterix e Obelix

Impossível não lembrar dos meus heróis preferidos enquanto caminho pelo Coliseu. Esta é a primeira imagem que tenho de Roma, construída lá na minha infância, quando primeiro meu pai lia para nós e depois já maiores líamos nós mesmos as aventuras dos gauleses contra os romanos. Descobri que por volta de 20 mil pessoas e 9 mil animais morreram nas apresentações no Coliseu (coisa básica). Eu lembro de Asterix Gladiador, onde ele ensina os gladiadores o jogo do sim, não, branco e preto. Palavras que não podem ser ditas e uma pessoa faz perguntas aos demais, tudo dentro do Coliseu. César arranca os cabelos com a idéia. É genial. Posso ver os romanos entrando nesta construção gigante (é um estádio de futebol dos tempos antigos, cinquenta mil pessoas...), os leões no subterrâneo, o bardo prestes a ser entregue às feras, toda a pompa de um tempo passado. Emanuele, meu querido amigo, insiste em me dizer que Asterix e Obelix não existiram, que não tinha uma aldeia gaulesa que resistia ao império romano... eu tapo os ouvidos.

2o ato: Raul Seixas

Roma é uma cidade de símbolos. Nada parece feito por acaso, os números se repetem na minha cabeça: 1, 2, 4, 7...
Lembro da canção dos números em que Raul Seixas canta os eventos que se repetem. Estou na Fontana di Trevi, a fonte belíssima tem dois homens-peixe guiando um cavalo alado, um cavalo representando o mar calmo, o outro o mar agitado...mais duas estátuas que representam divinamente a Saúde e a Abundância.
Dois
E no dois o homem luta entre coisas diferente,
Bem e mal, amor e guerra, preto e branco, bicho e gente
Rico e pobre, claro e escuro, noite e dia, corpo e mente.

No café falamos do número sete na história de roma: a cidade está sobre sete colinas, teve sete imperadores antigos...
Agora o sete
Sete dias da semana, sete notas musicais,
Sete cores do arco-íris nas regiões divinais,
E se pintar tanto sete, eu já não agüento mais.

Ando na Piazza Navona e a bela fonte do centro da praça contém 4 estátuas, representando os  principais rios dos quatro principais continentes: Rio Nilo, na África; Rio Ganges, na Ásia, Rio da Prata, na América e o Rio Danúbio, na Europa.
Agora o quatro
E o quatro é importante, quatro ponto cardeal,
Quatro estação do ano, quatro pé tem um animal,
Quatro perna tem a mesa, quatro dia o carnaval.

Em San Pietro in Vincoli me encanto com Moisés de Michelângelo, obra única, que retrata o momento em que Moisés volta da montanha com as tábuas da lei.
Falar do número um
Falar do número um não é preciso muito estudo,
Só se casa uma vez e foi um Deus que criou tudo,
Uma vida só se vive, só se usa um sobretudo.

3o. pequeno ato:

Sabe aquelas coisas pequenininhas que encantam os olhos e parecem fazer o coração sorrir? Não se pode criar expectativas, mas ir no portão da Villa dei Cavalieri di Malta olhar pelo buraco da fechadura e ver ao fundo de uma fileira de pinheiros a cúpula de San Pietro é de uma singeleza sem precedentes. Um carinho para os olhos, melhor ainda se você já tiver visto dentro da igreja a Pietá...
Não vou postar fotos porque não tem graça, gostoso é o ar quase proibido de olhar no buraquinho da fechadura...

4o. ato: Fontana di Trevi


Tá vendo uma moedinha que brilha mais no lado esquerdo acima? Pois é, é minha. Me rendi ao programa mais turístico que pode ter em Roma: jogar de costas uma moedinha na Fontana di Trevi pra garantir que vou voltar à cidade...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cuscus

Carlo e Stefania são um casal jovem e simpático. São dessas pessoas que conhecem a história da sua terra, e são engajados na política local. A atuação deles vai desde uma Palermo livre da máfia à alimentação típica da Sicília. Stefania sabe onde encontrar os produtos orgânicos da região, conhece os produtores, me diz o que é alimento de inverno e o que é de verão. Carlo, neto de uma nonna da Líbia, sabe tudo de cuscus. Aquele original. Começa me contando que seu pai só o faz uma vez ao ano, porque não é coisa rápida. É um dia envolvido na feitura. A comida aqui tem um tom ritualístico.

O cuscus original é muito diferente de tudo que conheço como cuscus. Não é como o paulista e o do nordeste onde a base é a farinha de milho. Mas também não é como o cuscus de sêmola que não faz muito tempo tornou-se habitué no Brasil. Carlos me conta que o cuscus original é como uma sopa. Primeiro se cozinha a carne, originalmente de carneiro, depois acrescenta os legumes e cereais. Cada família tinha sua receita própria, muitas vezes a receita é resultado daquilo que se tem na geladeira ou no quintal: abobrinha, berinjela, tomate, cebola, grão de bico, salsinha...quando este caldo já é cozido, começa a preparação do grão propriamente dito. Que deve ser cozido no cuscuzeiro. Se for de cerâmica, melhor ainda. Grão cozido, hora de montar o prato. O caldo por baixo e uma porção da sêmola cozida por cima. Gostaria de experimentar, mas são todos unânimes: esta é uma comida de inverno, não é para o calor do verão italiano.

Em substituição me falam do tabulé, o nome é como o da comida árabe, mas corresponde àquele cuscus com grão de sêmola que nós comemos. Legumes picadinhos, cru ou cozidos, tempero e o grão. Provo um só com legumes crus: tomate, cebola roxa, pepino, milho verde, temperos, salsinha. Bom, realmente este combina com o verão.

Isto tudo me fez lembrar de uma conversa com Roberto e Maria'ssunta lá no Salento, uma receita que uma wwoofer espanhola havia ensinado. Os pastores faziam para levar nos dias de pastorio longe de casa. É um cuscus dentro de um gaspacho. Achei que é perfeito para vivenciar a experiência do cuscus-sopa, porém fresco. Juntei na minha imaginação com uma outra receita que lembro lá do Corumbau, de uma sopa de tomate com laranja e camarão. Não tive dúvida, mercado para comprar os ingredientes e mãos na massa. Ficou assim meu cuscus:
Liquidifiquei: tomate (muito), cebola, pimentão amarelo sem casca, pepino, um pouco de salsão, folha e caule, alho porró, azeite, aceto balsâmico, sal, pimenta do reino. Se estiver muito grosso, um pouco de água. Não tem medida, é com o quê se tem e o sabor que se gosta. Provo e vou acrescentando um pouco de aceto para dar um azedinho. Ah, manjericão também! Coentro pode ser bom. Eu não tinha.
Hidratei o grão de sêmola e depois espremi suco de laranja nele. Um pouco de sal e pimenta do reino. Por último fiz, a parte, camarão sem casca salteado no azeite. Juntei um pouco do gaspacho com a sêmola, e geladeira para esfriar.
Na hora de comer coloquei mais gaspacho no prato, o cuscus e o camarão. Ficou assim:



Maria'ssunta me contou que na receita espanhola original não se hidrata o grão antes e sim no próprio gaspacho e deve descansar na geladeira por 24 horas. Segundo ela, se começar a fermentar é melhor ainda, e quanto mais fermentar, mais sabor tem. Você pode se sentir pastoreando nos campos espanhóis.

domingo, 19 de agosto de 2012

O chapéu do Paquito

                                                                                                          Palermo, 19 de Agosto de 2012

Ei pai! Tudo bem?

Como vão as coisas na fazenda? A linhaça tá grande, já tem flor? Por favor não deixe de me mandar uma foto do campo de borboletas azuis... e o morango, como está este ano? Os seres elementais continuam fazendo aquela pegadinha na hora da colheita?
Ando com saudade do seu iogurte, aqui não encontrei nenhum à altura. Na França tomei o iogurte grego, muito bom. No sul da Itália que é muito mais perto não tem, ou quando tem não é bom como o seu...

Estou gostando muito de Palermo, primeiro levei um susto com tanta coisa que acontece ao mesmo tempo, tanta coisa para ver e ficar atenta. Mas agora depois de pousar meu olhar com calma, vejo uma cidade bela, antiga, forte. É diferente de outras regiões da Itália porque tem muita influência espanhola, árabe e do norte da Europa. Isso deu um ar único às igrejas e construções. Junto com todos os povos que se encontram aqui atualmente. Imagina que você está no meio de uma feira de rua, super popular, cheia de indianos e do lado tem uma igreja toda barroca para visitar. É assim, tudo junto e ao mesmo tempo.

Tenho provado muita coisa gostosa, o bom de gostar de comida é que todo dia tem que comer, certo? Umas três vezes pelo menos... assim faço de cada refeição uma viagem gastronômica às tradições culturais sicilianas, mesmo que seja só um sorvete dentro do pão. Pensei que lembra nosso pão molhado no café com leite, assim escolho sempre um sorvete de café e outro de creme, ou iogurte. O sorvete de pistache aqui é uma coisa de louco, impossível explicar, mas tem pedacinhos de pistache e um sabor que algumas vezes é um pouco salgado, não sei como dizer. É perfeito, pronto falei. Ainda não consegui ver a árvore do pistache, mas já vi na internet, um paliativo... Estou agora encantada com a massa de grão de bico que eles fritam, como um pastel, se chama panella, vende na feira aqui embaixo, tentador... mas tento me controlar porque as  bochechas já estão crescendo...eles comem essa massa dentro do pão, demais pra mim, prefiro ela pura, como um tira gosto.

Ontem fui numa cidadezinha linda, Cefalú, cidade de praia, mar Tirreno, azulzinho. Agora que sei que o mediterrâneo tem vários nomes, estou colecionando mares: Iônico, Adriático, Tirreno, quem sabe não vou no mar da Ligúria quando retornar à Toscana. Depois do banho de mar caminhei pelo centro histórico da cidade, tinha um lavatório todo de pedra, subterrâneo, água fresca, um bálsamo no calor que faz aqui. É bem turística, toda vendinha com as lembranças sicilianas... Adoro a bandeira da Sicília com uma cabeça de medusa e três pernas, tem um ar circense e mitológico ao mesmo tempo. Depois procura na internet e me diz o que acha.


Hoje estava andando na praça 4 cantos, um cruzamento das duas principais avenidas da cidade e dei de cara com uma carruagem muito elegante (me lembrou um pouco aquela que Asterix e Obelix compram numa história e depois começa a chover, o cavalo perde a cor, a roda quebra, onde é mesmo que acontece isso?). Mas o cavalo era lindo.Mais que isso, tinha um chapéu! O chapéu era tudo de bom! Parecia um cavalo mineiro... Logo fiquei amiga do Paquito e do seu dono. Depois mais duas vezes encontrei com eles, no Teatro Massimo e na Catedral. Antes de visitar a Capela Palatina, uma igreja belíssima, das mais bonitas que vi nesta viagem, toda em mosaico, um carinho para os olhos e para o coração.

Mando a foto do Paquito elegantíssimo, pronto para um arraiá de São João, presente de dia dos pais atrasado, ou de aniversário adiantado.

Um beijo grande, estou com saudades,

TT

sábado, 18 de agosto de 2012

Dois causos rápidos

Na Sicília acontece aquelas coisas que todo mundo diz: - só aqui mesmo. (Uma frase ligeiramente familiar para mim.)

Vou cedo ao mercado de Ballaró, hoje quero um café da manhã como na fazenda: iogurte, banana e granola. O rapaz me vende 2 bananas como meio quilo! Quanta banana eu já pesei para saber que aquilo é um roubo. Tento conversar, dizer que não é aquilo, que pesa menos. Nessa altura o pai do rapaz já berra comigo que o bambino já pesou e é 500g. Desisto, melhor pagar.
Entro no mercado ao lado para comprar uma água. Escolho uma gasosa naturalmente de uma nascente no Etna. Para mim é quase medicinal. O senhor do caixa se recusa a receber, diz que não pode cobrar de uma bella donna.
Dá pra entender esse povo?



Trem lotado, um pouco atrasado para partir, surge aquela voz do além que não se pode ouvir direito e avisa que o trem não parte mais. Sem saber para onde andar toda a gente começa a descer. Um funcionário da companhia anuncia aos berros o novo binário. Começa uma verdadeira corrida olímpica por um assento no novo trem. Eu fico para trás tentando fotografar o pai abaixo. O menino não está nem aí para a confusão, aquilo pra ele é um parque de diversão!


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sabores sicilianos


Não sei bem sobre o quê escrever. Não vou ter aqui a mesma relação que tive em Puglia, com a cozinha salentina, onde eu pude estar na cozinha, conhecer, conversar, fazer os pratos tradicionais. Aqui sou meramente uma turista olhando as vitrines. E provando o que tem dentro delas...

Por sorte tenho um amigo que me levou para jantar num restaurante pequenininho de frutos do mar. Delicioso. O peixe da Sicília é muito bom e famoso. Pra você ter idéia, o atum pescado nas vizinhanças é mandado para o Japão, para ser comido cru. Aqui, o  atum em conserva é prato chique. Nada de macarrão de desespero com pomarola. É um produto de denominação de origem controlada (DOC). Peixe é parte fundamental da culinária siciliana. Uma iguaria local e que só se encontra aqui é a botarga, ovas de peixe defumada. São fortes, servem para ralar sobre a pasta pronta, como um queijo. Não sei bem como fazem mas é uma coisa compacta, como um salame.  

Os doces sicilianos são famosos em toda a Itália. Os mais populares são aqueles com ricota. Descobri que geralmente são feitos com leite de ovelha e que são melhores no inverno, quando a ricota é mais fresca. Para os italianos são exageradamente doces. Isso porque eles não conhecem o brigadeiro brasileiro. Nada é muito doce para a terra da cana de açúcar. Têm muitos doces com pistache e amêndoas. Dois xodós da produção local. Não sou fã de doce mas estou disposta a provar todos, os famosos canole e cassata já estão aprovados, leves, delicados no sabor, muito bom. Aqui encontrei a pasta para fazer o leite de amêndoas e também de pistache. Já tá na bagagem (que a alfândega não me leia).

O salgado típico é o arancino, um croquete feito com arroz e vários recheios diversos, o mais comum é o de ragu ou de mussarela. Vale por uma refeição. Todo lugar tem, uns mais picantes outros menos. É uma especialidade culinária antiga, remonta ao século X. Tem esse nome porque parece uma laranja (arancia), uma bolota dourada frita!


O mais exótico é o tal do brioche com sorvete (olha eu aí, me adaptando aos costumes locais, um sorvete de creme e outro de pistache) . Fiquei pensando que a matéria prima da casca do sorvete deve ser a mesma do brioche. Mas nada é capaz de acabar com minha surpresa quando vejo alguém passando com aquele sorvete dentro do pão, como se fosse a coisa mais normal do mundo. O tradicional mesmo é com a granita, que é siciliana, influência árabe. É linda, porque é um bloco grande de gelo que o vendedor raspa, coloca num copo e depois joga o xarope do sabor que você escolher. Eu só peço de limão.

A maior surpresa foi o limão siciliano. Sei que agora não é época de limão aqui - apesar de limão não ter mais época -, mas todos que vi até agora são bem diferentes daqueles sempre amarelinhos e bonitinhos do Brasil. Aqui são irregulares, com tons que vão do verde ao amarelo, passando pelo marrom (dá pra acreditar?), mas, claro, saborosíssimos. Quem vê casca, não vê limão.




quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Todos os povos


Quinze de Agosto, ontem, era feriado nacional, tudo fechado. Mas as vendas de indianos, senegaleses, muçulmanos são abertas. Toda uma região, onde se escuta todas as línguas, menos italiano.  Se come samosa, kebab, cuscus. Caminho em direção ao Jardim Botânico, um indiano, de menos de vinte anos, começa a conversar comigo, quer me conhecer, faço que não entendo, que não falo italiano, ele insiste agora numa mistura de italiano, inglês, português: birra, birra, today, dopo my lavoro, obrrrigado. Fujo.
O conceito de mercado é um pouco diferente de tudo que eu conhecia. É uma região, um bairro. Milhares de vielas com construções de 2 a 5 andares dos dois lados, com roupas penduradas em cima da sua cabeça, de repente surge um largo onde um monte de barracas se aglomeram. É apertado e súbito pode ter uma moto em cima de você ou um taxi aberto, uma mistura de uma vespa gigante, com um pedalinho. Peixe, verduras, pão, roupa, além das bancas tem milhares de portinhas oferecendo de cerveja a roupa de cama. Os vendedores parecem uma orquestra. Um começa a cantar seu produto, outro entra com um tom mais grave, logo tem outro mais agudo e a música soa por todos os lados, impossível entender qualquer coisa. E a coisa se repete a cada largo com um outro aglomerado de barracas, peixe, frutas, coisas de casa, soando uma nova sinfonia. Tem muitos produtos diferentes como a abóbora d'agua, e suas folhas, que me dizem ser comestível. Um figo da índia rosa por dentro, lindo. Banana, limão siciliano (claro), abacate...O café da manhã na vendinha da esquina é um tipo de brioche com uma bola de sorvete de café dentro. Único. Não posso dizer mais nada. A senhora loira, maquiada para uma festa, com um penteado alto, me pergunta se vou comer lá ou levar para casa - como posso portar à casa aquele sorvete derretendo dentro do pão? Como observando como fazem o casal de velhinhos ao meu lado. Tem lixo por todo lado, em alguns lados mais. Parecem verdadeiros depósitos de lixo em meio à cidade, junto com garrafas de plástico, um colchão velho, caixas de papelão, restos de um brinquedo e de uma geladeira,  e pombos que fazem a festa.
No ônibus a caminho do mar, um senhor franzino, de 62 anos, me cede seu assento, insisto que não é preciso, mas ele já se levantou e claramente trocou este assento por uma conversa. Fala comigo em dialeto. Não entendo nada. Tento dizer a ele, que não me ouve. Agora me mostra o santinho da mãe e conta que é morta, depois reclama do preço da água. Desisto de dizer que não entendo bulhufas e aceno com a cabeça, concordando. A praia é logo ali.
Conheço um casal jovem de chineses, estão perdidos como eu no bairro-mercado de Ballaro, onde é o hostel que estou hospedada. Conversamos num inglês difícil, o menino fala um pouco a menina só ri, eu sou a melhor o quê não é muita coisa. Ele fala da sua paixão pelo futebol brasileiro eu falo da minha pelo tai chi. Eu não sei nada de futebol, ele não sabe nada de tai chi. Desistimos da conversa, inútil para os dois, caminhamos calados.
Estou encantada, o caos tem nome: Palermo.



Boníssimo isto: barraca de melão, depois uma de roupa e bugingangas, depois o pão!



Figo da índia colorido, naturalmente! descascado sem espinhos, perfeito! 


Uma feira de coisas usadas bem embaixo à minha janela, no canto esquerdo é lixo.





segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Hora de andar


Tenho aprendido muito sobre o momento de partir nesta viagem. É fácil a tendência a querer ficar onde as coisas vão bem, sei onde comer bem e barato, como chegar na praia que eu gosto, tenho amigos, ou seja já me viro. Mas este não é o intuito da viagem. Arriscar, buscar o novo, fuçar, estes sim são alguns objetivos. Um lugar novo sempre tem a chance de dar certo ou não... e uma parte minha prefere não correr o risco. A outra, que anda super valente, fala calmamente que é preciso conquistar mas sem se apegar, ser livre, para ser inteira. Sinto a coceirinha que diz que é hora de ir.
Essa parte corajosa anda feliz com o desenrolar da viagem, tenho passado por lugares incríveis, aprendido muito, em primeiro lugar de mim mesma, depois de agricultura, alimentação, cultura, tudo aquilo que eu buscava (e muito mais...). Mas principalmente tenho conhecido muita gente maravilhosa no caminho. No final acho que o mais rico é essa troca com outro ser humano, na hora que dois mundos diversos se encostam e eu absorvo um pouco do outro e ele de mim. Não importa quanto seja, sempre saio diferente (pra melhor!) quando faço um novo amigo.

Vou embora da Puglia muito mudada, muitas pessoas, conversas, músicas, comidas me tocaram profundamente. Aqui foi onde, até agora, estive mais perto do verdadeiro espírito slow food que procuro. Aquele que para mim é verdadeiro, de pessoas que simplesmente vivem, respirando uma forma genuína de tratar a agricultura, a alimentação, a tradição. Simples e saborosa...

Termino hoje com uma conversa que tive com o Roberto outro dia a caminho do mar. Ele me falava de um outro sentido que temos quando se trata de saborear o alimento. Não é o olfato, visão, paladar ou textura (tato), mas é todos juntos ao mesmo tempo. Não é uma coisa física, que se pode medir ou ajustar, mas dependendo pode te fazer arrepiar ao comer ou simplesmente sorrir, feliz... Tem  a ver com a forma como o alimento foi preparado, depende da pessoa que o fez se estava realmente presente naquela ação ao fazê-la. Ela tem que estar contente, se não não é possível temperar com este sabor. Pode-se dizer que é cozinhar com o coração, ou seguir sua intuição, depende do estado da alma. Tem que fazê-lo com carinho e respeito, pela terra e pelo alimento. Depois tem que cozinhar numa espécie de dança, o gesto, a forma como joga o sal ou tempera, o movimento com as colheres, a fluidez dentro da cozinha, a alegria. Assim a comida feita vira a expressão de sua arte, sua forma de mostrar fora algo que vai dentro. Mesmo que seja um jantar só para você mesmo.


Parto já com saudades da família Polo. Aqui Roberto, Stefania e eu, curtindo o mar azul de Salento.
Vou levada pelo vento à Sicília. Sem muitos planos confesso, com uma vontade enorme de viajar de bicicleta e comer cuscus... ah e de conhecer a árvore do pistache!


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Figos para minha mãe



Um dos motivos que me trouxe à Puglia foi uma conversa com Vittória, uma amiga de Padua, que me disse que aqui era a terra do figo e que agosto era o mês da safra. Isso ativou alguma coisa dentro de mim. Não sei explicar bem e pode parecer que sou viciada em figo, mas foi como um carinho, uma lembrança boa que me guiava, e eu vim. Eu não sou viciada em figo, minha mãe é. Eu gosto dele fresco, gosto das sementinhas estourando na boca misturadas à aquelas cobrinhas minúsculas, tenho certeza que Ferran Adria inspirou muitas de suas experiências gastronômicas no figo. Minha mãe gosta de tudo de figo. Do tradicional doce de figo mineiro ao rami. Vê-la feliz é chegar em casa com um pacote de figo seco. Chega a época do figo verde, e lá tá ela com um doce que encomendou da amiga que trabalha na cantina da escola ou comprou da senhorinha da feira de Entre Rios...Quando fui à Colômbia trouxe de presente biscoito, tipo goiabinha, só que de figo, só para ela. Minha paixão com figo é coisa recente, a dela não, me lembro ainda criança que não entendia bem sua alegria ao encontrar uma lata de figo rami no mercado. Isso era coisa rara naquela época, mais que rara era um produto de festa, especial. Ela sempre soube o que era bom, eu demorei um pouco...

Aqui encontrei uma variedade de figos impressionante, pequeninnho verde, grande verde com a polpa branca, com a polpa vermelha, roxo com a polpa mais vermelha ainda, é um desfile de figo. E tem figueira como tem goiabeira em Entre Rios, ou cajueiro em Aracaju. Assim, na rua, pra todo lado, todo terreno baldio é uma plantação. Os carros param na beira da estrada para os motoristas colherem figo. Eu provo todos até ter meu preferido. Nas idas e vindas procurando Rosalinda eu que me perdia debaixo de uma figueira nova, que eu ainda não tinha experimentado.

Experimentei também pela primeira vez o figo da india. A primeira experiência foi colhê-los e confesso não foi muito boa, ele é cheio de espinhos pequenininhos, um vento é suficiente para ter espinho nas suas costas, pé, braços. Sem falar nas mãos, mesmo colhido com uma sacola plástica de proteção. A segunda experiência foi bem melhor, comê-los! Uma fruta muito delicada de sabor. Gostei da textura e do frescor e das sementinhas, maiores que a do figo normal, mas gostosas também. A terceira experiência foi uma lenda que contaram enquanto comíamos as figos da india na pizzada da minha despedida no Sarruni. Contam que estes figos eram servidos no café da manhã tradicionalmente e que isto tinha começado nos locais de videira, na época da colheita. Era uma forma de fazer com que as pessoas que colhiam não comecessem a uva pois existia uma lenda que dizia que comer uva e figo da india era uma bomba para o intestino, uma semana sem ir ao banheiro, no mínimo As pessoas tinham medo, mais ou menos como nós com a manga com leite. Gosto dessas histórias populares, meio lenda meio verdade. Eu por via das dúvidas não cheguei perto das uvas essa noite.

  
Mãe, não posso levar os figos mas fiz as fotos de presente!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Abobrinha, Berinjela e Pimentão

Conheci esta receita inicialmente com berinjela, mas estou me controlando para variar as receitas que posto (porque aqui se come muita berinjela e eu sou fã da dita cuja, um pouco tendenciosa inclusive) e eis que acabei experimentando com abobrinha e pimentão amarelo. Fica ótimo com todos, é super simples, mas tem pequenas surpresas no sabor que fazem a diferença:

Ingredientes

abobrinha ou berinjela ou pimentão
óleo para fritar (pode ser azeite..)
azeite
aceto balsâmico
sal, alho
hortelã



Preparo:

Se for abobrinha ou berinjela cortar no sentido longitudinal em fatias e fritar. Dá para fazer na grelha também. Mas aqui o pessoal gosta mesmo é de fazer frito, é a terra da oliva afinal! Espalhar uma camada numa travessa e temperar com sal, azeite, aceto, um pouco de alho bem batidinho e hortelã. Sempre temperar depois de uma nova camada de legume. O aceto e o hortelã dão um toque diferente e fresco ao prato.

Agora se você fizer com o pimentão é diferente: primeiro colocar o pimentão inteiro no forno, sem tirar nada só lavado. Quando começar a tostar umas partes tirar do fogo e retirar a casca. Quanto mais quente o pimentão mais fácil a casca se solta, por isso vale a pena queimar um pouquinho as mãos.
Depois disso cortar em filetes compridos, espalhar na travessa e usar o mesmo tempero aí de cima e alcaparras.

Não experimentei tudo junto, mas deve ficar bom também.




domingo, 5 de agosto de 2012

Alcaparras



Tá vendo estes matinhos nascendo nesta ruína da torre? Pois é, alcaparras.

Elas nascem assim, selvagens, naturalmente. Dizem que é difícil cultivá-la em casa, não é muito obediente, nasce onde e quando quer. Vi várias literalmente brotando da pedra.

Esta da foto é em Santa Maria de Leuca, a última cidade do salto da bota, onde o mar Adriático e Iônico se encontram. E as alcaparras ali mirando tudo...


sábado, 4 de agosto de 2012

A redenção da Ricota

Hoje não havia hóspedes para o jantar. Foi bom para conversar com calma, saborear tranquilamente cada prato servido, só a família e eu. Falo sem parar da minha completa admiração pela ricota que eles fazem. E eles começam a me contar mais da história deste queijo, e fiquei boquiaberta, da mesma forma quando provei a primeira ricota que o Roberto me ofereceu.

Estou completamente viciada. Raspo os pratos onde elas são servidas enquanto levo a louça para a cozinha. Fico de olho na porção servida a algum hóspede torcendo para que ele não coma tudo. Só falta sonhar a noite, porque de dia já faço.

Um pouco de história para quem, como eu, pensava que ricota era aquele famoso queijo das dietas. Não, a ricota merece seu lugar de honra junto aos queijos de primeira linha. Aquela outra é algo completamente diferente, a prima anoréxica da ricota de verdade.

Primeira lição: a ricota é italiana. Tem este nome porque é levada ao fogo duas vezes (ri – repetição, cota – cozida). Da primeira se faz o queijo e sobra o soro, que depois volta ao fogo com um pouco de leite e sal para que surja, como num passe de mágica, aqueles gominhos macios em cima na panela. Depois é só recolher esta massa que se forma, colocar numa forma de queijo e assim que o excesso de água sair, comer.

Sim, ela é feita para ser comida fresca, se possível ainda morna. É desse jeito que ela conserva o sabor e a textura ideais. O sabor é levemente doce, com um pouco de sal, suave, perfeito com salgado e como recheio de sobremesas, muito comum nos doces sicilianos. A textura é cremosa, um cremoso diferente porque é muito leve. Não é pesado nem denso, quase derrete na boca.

Enquanto aprendo, vou comendo a ricota do jantar. Mas esta está um pouco diferente das que comi até aqui. A Nonna me explica que é porque já está velha, foi feita antes de ontem, é o limite para consumi-la. Ricota com mais de dois dias não presta, não é ricota italiana.

Exijo retratamento púplico. Discursos em cadeia nacional. Conferências na ONU. Devolvam à ricota o que é dela. Sua honra foi ferida e ninguém, ao menos no Brasil, a tem defendido.

Por falar em vícios, preciso confessar outro: leite de amêndoas.

Sempre gostei dos leites de grãos e castanhas. Não tenho problema com essa coisa de chamar de leite, não faço nenhuma comparação com leite de verdade. Nem me incomodo com o nome emprestado. Digo isso porque acho que muita gente não consegue apreciar estes leites pela comparação, esperando algo muito parecido com o leite de verdade ou um sentimento de exclusão, como se tivesse que escolher entre o leite de vaca ou o de cereais. Cada coisa no seu lugar e tem lugar pra todos na minha barriga.
O leite de amêndoas, no momento, está ocupando um bom espaço no meu paladar e olfato. Aqui se encontra o xarope pronto. Dá pra fazer de várias formas diferentes, apenas acrescido de água. É praticamente um suco, geladinho. No calor é delicioso.

Usa-se muito em doces, com uma massa folhada ou podre e um recheio de creme feito com leite de amêndoas e por cima as amêndoas in natura.

Outro combinação boníssima é o caffé ghiaccio feito aqui. Servido assim: embaixo o leite de amêndoas frio, depois o café quente e por último gelo. Delicioso. Dá um toque delicado à bebida que me agrada, uma pessoa não muito apreciadora de café.

Penso que não é difícil fazer, mas já sei que não é como as outras castanhas que bato no liquidificador, tem que ser prensada.

A pergunta que não quer calar é se esse xarope existe no Brasil, mais especificamente em BH. Por isso peço um favor a quem puder: rola de dar uma passadinha (este termo é muito mineiro, é lindo!) no Verdemar ou no mercado central (naquela banquinha de produtos árabes) e descobrir se vende? Em caso negativo deixo todos meus pertences na Itália e volto só com latte di mandorla na bagagem.



Não deu tempo de fotografar a ricota antes da fuga de rosalinda, mas tá aí o leite de amêndoas para ajudar na pesquisa...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A fuga de Rosalinda

Há muito tempo elas vinham pensando nisso. Uma aventura. Só as duas, mãe e filha. Não que a vida de Rosalinda não fosse boa. Era bem tratada, tinha regalias pela sua produção de leite, podia andar pelo pasto ao redor da casa, vivia bem. Mas tinha um pouco de fastio. Além disso, desde que sua filha Shiva havia desmamado não passavam muito tempo juntas. Shiva, na flor da idade, com todos os hormônios da adolescência aflorando em belos chifres, era mantida presa com as cabras. Uma menina gigante no meio das minúsculas amigas, um pouco pitoresco. Tinha saudades. Rosalinda é dessas mães italianas, super protetoras.

Planejaram por um bom tempo e quando chegou a oportunidade, todos na fazenda ocupados com alguma atividade, não tiveram dúvida. Se olharam com aquela cumplicidade materna e pata ante pata, saíram de fininho, rumo ao campo sem fim.

As primeiras horas foram de pura alegria, um certo frio na barriga de serem descobertas, mas com tanto mato para provar não pensaram muito nisso, e se divertiram. Mugiam, brincavam, pastavam, Shiva coçava seu pequeno chifre em toda árvore que encontrava, especialmente nas figueiras carregadas de fruta, que soltavam um perfume delicioso. E ainda comia os figos. Aquela árvore era perfeita.

Depois de um tempo tiveram sede e Rosalinda não conseguia saber como arrumar água. Não havia visto no caminho nenhum balde como aquele da fazenda. Shiva estava um pouco cansada, fazia muito calor e ela tinha muita sede. Rosalinda cedeu e deixou ela mamar, como nos tempos antigos de criança.
Acabaram dormindo na sombra de uma oliveira e quando acordaram já era noite. Pensaram em retornar à casa, já estava bom de aventura. Mas de repente olharam para um lado e para o outro e perceberam que não sabiam onde estavam. De que lado tinham vindo? Onde era a estrada? Rosalinda é uma vaca esperta e tentou ver as marcas de suas patas na estrada, mas era noite, não podia enxergar muito e além do mais havia muitas marcas de pneu de carro. Será que alguém as estava procurando? Já sentia saudade de casa e dos mimos de Flavio e de Roberto. Mas se manteve firme e calma. Não dava para fazer mais nada àquela hora, o melhor era dormir e esperar amanhecer. Quem sabe o sol trouxesse boas notícias.

Acordaram com sede, Rosalinda amamentou Shiva e depois resolveram caminhar, à procura de casa, de água, de ajuda. Mas não eram muito boas para comunicar. Muito grandes, um pouco desajeitadas, com a voz muito grave, quando encontravam alguma pessoa faziam tanta festa, tanta confusão que acabavam espantando o desconhecido. Tinham esperança de ouvir o carro de Flávio ou a voz doce de Ruly as chamando. Continuavam a comer tudo que aparecia à sua frente, assim foram caminhando, caminhando, cruzando a estrada... Mas nada de novo aconteceu neste dia. Foram dormir um pouco preocupadas, mas exaustas do segundo dia daquela aventura. Sonharam com um campo de trigo e um rio, mesmo sem nunca terem visto nenhum dos dois.

Enquanto isso no jantar da fazenda o telefone toca. Um vizinho havia visto as vacas desaparecidas, mas não tinha conseguido prendê-las. Saímos já tarde da noite atrás de algum sinal. Nada.

Terceiro dia começa cedo na fazenda, dois carros, cada um para um lado a procura das vacas. Chamam, buscam sinais no chão, perguntam às pessoas. Rosalinda e Shiva já são conhecidas a essa altura. Primeiro um conta que a irmã viu as duas caminhando na manhã anterior, outro conta que elas comeram todo o figo da sua casa. Mas as informações não são suficientes e depois de mais de três horas rodando, os dois carros retornam com seus motoristas cansados e um pouco frustrados.

Enquanto isso já distante dali Rosalinda acorda com Shiva eufórica, felicíssima. Estava explorando a região (porque Shiva, ao contrário de Rosalinda, não cansou da aventura ainda), foi coçar o chifre numa bolota que havia no chão e a bolota se rompeu. Dentro tinha uma polpa vermelha deliciosa, fresca, que acabou com a sua sede. Elas não conheciam melancia, e a melancia do salento é especialmente boa. Estavam no paraíso.

Comendo, explorando o campo, acabaram se encontrando dentro de uma horta. Uma horta de tomate! Outro paraíso gastronômico italiano, os tomates são tão doces e tão pouco ácidos, que as duas podiam comer aquela frutinha o dia todo. Mas antes de acabar com a horta apareceram dois jovens. Vinham abanando as mãos, gritando. Rosalinda não entendia muito bem o que faziam, achou que era uma saudação e balançava sua cabeça enorme e mugia. Os rapazes recuaram. Voltaram com uma corda e sem saber bem porquê as duas foram amarradas e levadas para junto dos porcos. Estavam assustadas com aquilo tudo, os porcos não eram simpáticos, achavam que as duas vacas iriam roubar sua pouca comida. Porque para um porco a comida sempre é pouca, nunca é suficiente. O clima era tenso, o lugar era sujo e fedia. Rosalinda não entendia porque era tudo tão sujo. Havia porcos na fazenda, mas era tudo limpo, quase cheiroso. Shiva era até amiga de uma porquinha que havia nascido na mesma época que ela.

Depois disso não sei o que se passou naquele lugar estranho. Roberto foi avisado no outro dia que haviam encontrado as vacas fujonas e que agora ele devia uma horta de tomate para os donos. Não pode ver o prejuízo ainda, tem que fazer perícia e tudo mais, mas já buscou Rosalinda e Shiva. Voltaram estranhas, cabisbaixas, caladas. Depois de um bom banho, Shiva já está melhor, mas Rosalinda tem o olhar distante. Talvez esteja impressionada com algo que viu ou viveu. Talvez prevesse as mudanças que estavam por vir à sua volta, não sei. Rosalinda é muito sensível.



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Roberto, o cuocco

A primeira pessoa que conheci na fazenda foi o Roberto, o pai. Ele foi me buscar na cidade vizinha, Lido Marini, não chega nem a ser uma cidade direito, mas nessa época é lotada por causa da praia. À primeira impressão se imagina um homem muito sério, calado, rústico. Talvez porque lembrou o meu pai simpatizei de cara, gratuitamente. Depois ao vê-lo na cozinha onde comanda os famosos jantares da casa me encantei de vez.

Melhor que descrevê-lo é contar algumas situações que vivi com este italiano grandão, sempre com a barba por fazer, andando calma e pesadamente pela cozinha da fazenda.

  • Ele mede a porção de arroz na mão, cada punhado que cabe na sua mão grande, corresponde a uma pessoa. Fácil assim, sem copos intermediários.
  • Toda vez que fatio o pão ou o queijo ele me olha dizendo: não corta tão fino, assim não se sente o sabor de nada.
  • O Roberto é um verdadeiro defensor dos produtos orgânicos e naturais. Não cansa de repetir que o vinho (produção biológica de um amigo) não faz girar a cabeça ou acordar com um gosto estranho na boca, porque não tem solfito, a substância usada normalmente para ajudar a conservar.
  • Ele pode gastar toda uma tarde preparando aquele desfile de pratos para o jantar ou fazê-lo em 20 minutos, igualmente delicioso. Igualmente tranquilo.
  • Outro dia fez uma brusqueta com queiijo de ovelha e marmelada de tomate e me contou que tinha feito aquela marmelada um tempo atrás, imaginando justamente a combinação com o sabor forte do queijo de ovelha. Lindo, não?
  • Eu gosto de ver tudo limpo na cozinha e não paro enquanto não terminamos. Final de semana ele vem, me tira da cozinha e diz que a vida não é só trabalhar, que eu preciso aproveitar mais...e lá vou eu pra praia, sob ordens do cuoco (o cozinheiro).
  • O jantar dura umas três horas. Entre cada ida e vinda à cozinha ele pode conversar com qualquer um, sobre qualquer assunto. Da história da Itália ao crudivorismo. Das melhores praias para tomar banho a como escolher uma melancia. Tudo com muito bom humor, aquele humor irônico, discreto.
  • Uma pessoa ao meu lado diz que o leite cru é muito pesado, difícil de digerir. Vejo Roberto crescendo do outro lado da mesa, ele olha a moça e começa uma verdadeira aula sobre as vantagens do leite cru e fresco, dos malefícios do leite de caixinha, que segundo ele não é leite... um belo texto! Nessa hora pude ver meu pai falando...
  • Ele é a personificação do slow food salentino, na verdade de toda Itália. Conhece toda a tradição alimentar do país, como se prepara, onde é cultivado. Sua filha vai no mesmo caminho e juntos, pai e filha fazem da cozinha um verdadeiro laboratório de degustação e conhecimento.
    O Roberto é um homenzarrão, mas tem uma delicadeza no paladar impressionante. No segundo dia já sabia que eu gostava de conhecer os sabores locais. E me faz provar cada coisa que acha digno de nota. Neste exato momento escrevo deitada na rede depois de ter provado a ricota ainda morna que ele acabou de fazer, deliciosa. Ele me pergunta:
    - Parece um doce, não?


    Não deixe de assistir este vídeo lindíssimo do Roberto preparando o pão no Sarruni.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Iemanjà

Este post é para me redimir com o mar da Itália.

A verdade é que as praias são lindas, mas muito cheias, difícil avaliar assim com tanta gente. Os espaços são restritos, o mar é cheio. Não gosto muito.

Mas agora conheci, outra parte do mar, onde se chega pelas pedras. Não tem areia, só pedra e o mar. Menos gente, sem barraca de praia, sem som. É perfeito, porque o mar fica mais azul e transparente sem a areia. Como muitas vezes se chega por cima tem a visão panorâmica da paisagem. Olha esse lugar: Ciolo!


Dá pra ver nessa foto um monte de rapazes espalhados pelas pedras? Este momento foi emocionante. Havia garotos de 15 a 25 anos em todos os lados nas pedras. É um canion que dá no mar. Bem alto, por volta de 20, 30 metros, para se ter uma ideia eles pulam de tênis, para não machucar. Ao grito de um deles todos começaram a pular, um de cada vez, cada hora de um lugar diferente. Nós de cima da ponte com um frio na barriga acompanhávamos aquele espetáculo de adrenalina. Posso sentir o frio na barriga só de lembrar!


Mais foto para saudar Iemanjá e estes bravos rapazes!